quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Cafofo

A tartaruga e o caracol que são espertos, carregam a casa nas costas ou entenderam antes de nós que somos onde moramos e assim, andam livres.

Nós, do contrário, buscamos primeiramente o lugar. Depois de selecionar se o sol entra, ficamos a planejar quais móveis, pequenos detalhes e então começa a confusão.  Um amigo te visita e sugere a cama desse lado, o outro, a mesa de cá, um terceiro acha que falta algo qualquer nas paredes mas todos adoram o seu banheiro que por sinal normalmente não mostro à ninguém,  algo como onde se lava roupa suja, pensamentos que são só seus mas com gibi turma da Mônica que remete aos tempos onde nem tínhamos a noção do que era ter uma casa. Afinal, simplesmente estávamos ali, a casa era dos pais.

Ah, sim, a casa. Pequena ou não, fica aquela cobrança de mostrar o melhor de si, as suas caracteristicas, seus gostos. Ficamos nus, não há como se esconder porque não conseguiríamos ficar ali se não fosse o lugar onde nos sentimos confortáveis, envoltos no tipo de texturas, nos bibelos coletados ao longo do caminho, nos livros, nas xícaras de café.

Mas eu,  ainda assim , pensei melhor, sou mais esperta que a tartaruga e o caracol, posso mudar os móveis de lugar, posso não ter nenhum, posso pintar as paredes, desconstruir estilos e ter todos os amigos para um chá, café, vinhos... os vinhos!

 Recebo onde moro e sou onde estou, fiquei pensando como fazem a tartaruga e o caracol, nunca me convidaram sequer para uma xícara de chá.

domingo, 10 de abril de 2016

Das delicadezas

As viagens à trabalho ou o viajar trabalhando já que agora é um ofício, ser comissária, me permite pequenas delicadezas, dessas infinitas, como por exemplo achar um exemplar de um livro cujo o filme marcou a minha infância.  Numa mesa ao lado de fora de uma grande rede de supermercados na Inglaterra, com uma sugestão de troca ou uma libra para ajudar na iniciativa. Me senti culpada em dar apenas 1 pound, retirei todas moedas possíveis do envelope e coloquei na caixinha com a abertura que lembra um sorriso, o sentimento nem deve ter chegado aos pés da ' Felicidade Clandestina' mas para mim foi como uma recompensa por levar e trazer passageiros para as suas próprias histórias ou trajetórias de vida, para os seus destinos. Me senti importante, qual inocência a minha.
O retorno sempre mais cansativo, ainda mais quando são voos madrugada à dentro, consegui derrubar uma bandeja com champagne na cabeça de um menino, confesso que não tive culpa, ele quem levantou no momento em que eu apoiava a bandeja sobre o assento. A mãe me fuzila com o olhar e destrói a minha vontade escancarada em gargalhar, o fiz, mas já longe ao buscar as toalhas para secar o menino que precisou trocar a blusa e ouvir minhas mil desculpas. Acho que ele sentiu que gargalhei em suas costas mas não dele, da situação , só que ele não pôde compartilhar , o olhar da mãe o fuzilaria também, afinal paga-se caro por um ticket  na classe executiva. Ainda tenho o livro, intacto, parece nunca lido ou um leitor  " polianistico" que cuidava muito bem das folhas que levam letras.
Ah, pequenas delicadezas. ..

segunda-feira, 28 de março de 2016

A bolsa

 Se eu disser, que carrego uma bolsa, dentro dela existe um medo enorme de ser rejeitada, não desejada, medo de repetir erros. Existe uma insegurança com relação ao bonita o suficiente, se o peito é pequeno, se a bunda tem celulite, se não comer carne seria um problema, se gostar de assistir snoop e Charlie Brown pelas manhãs me torna infantil, se sou bem sucedida. Nessa bolsa têm experiências e uma vontade de continuar de onde parei. Mas agora a pessoa é diferente e eu não sei o que ela traz na bolsa que carrega e na minha insegurança e ansiedade , nem se ela gostaria de me mostrar. E apesar de saber que posso colocar os pés pelas mãos e ser interpretada como louca ( adoro investigar a simbologia das palavras) , ser sincera com o que se passa no âmbito das emoções e pensamentos me livra de achismos ou me dá o alívio de me despir, o calor da água, ainda não sei. 

Dos dias em que me pego e me viro do avesso, me mostro como sou e depois me desconstruo, me releio e me descubro, novas ideias e processos de autoconhecimento. 
Descobri que preciso escrever, não para que alguém leia mas para que a releitura de mim mesma faça com que eu me perceba , assim, frágil, humana. E da humanidade em mim, das filosofias de vida que sigo e questiono e então  deixo de seguir por uma visão às vezes mais suave e amorosa,  eu me curo. E penso na Clarice Lispector e tenho uma inveja de como as palavras se dispunham e penso no Tchecov e sua sutileza em descrever as relações humanas .
Pronto, o jeito é ler e quem sabe esvaziar essa bolsa de medos e inseguranças,  acho que vou colocar luz nessa bolsa ou transformá - la na bolsa da "Marry Poppins", e de dentro retiro o que preciso no momento, sei que vai continuar a sair  " tranqueira",  mas uma hora sai um disco de vinil do meu pai ou uma bênção da minha mãe, um xingamento da minha irmã mais nova ou um tricô e conselho da mais velha e saio dançar com a bolsa à tira-colo. 


sexta-feira, 4 de abril de 2014

Do voar

voo da libélula
Cecilia Kaiser
Voar é tirar os pés do chão
é ir longe mesmo perto
sentir o vento na cara, na janela
porta aberta da imaginação.
 
Não, voar oprime
imprime sinais
medo de não tocar um chão
de não voltar jamais.
 
Mas o que fazer quando a sua alma é viajante
seu corpo o instrumento e seu coração o guia?
 
Ah, deixe as asas saírem!
Desde então treino, dias no chão e noites no ar, dias no ar, noites no chão.
Têm sido treinos árduos esses do voar.
Quisera eu voar com os pés no chão.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

De algumas coisas lindas

1 - a dor nos olhos quando os primeiros raios do sol alcançam-nos pela manhã, ao abrirmos a janela;
2 - o recolhimento dos ombros quando um vento forte subitamente nos atinge, ao dobrarmos uma esquina;
3 - o arrepio na pele quando nos chocamos com a água fria de supetão, ao mergulharmos num rio;
4 - a amplitude dos pulmões quando se respira profundamente pela primeira vez, ao voltarmos do fundo da piscina;
5 - o cheiro que se desprende da terra quando a brisa quente sopra, ao cair das primeiras gotas de chuva;
6 - o espanto que nos invade quando uma estrela parece se mover ou cair, ao vermos voar um vagalume em direção ao céu escuro;
7 - o rubor que aquece as faces quando os pés penetram na água quente e perfumada, ao nos prepararmos para dormir;
8 - a escuridão de quando nos entregamos ao sono, e ele nos leva;
9 - a paz no coração quando abraçamos, entregues;
10 - a sensação de infinitude do universo quando, de onde estamos, não conseguimos enxergar o fim das montanhas, ou das águas do mar, ou das estrelas do céu.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

De uma palavra



“Estilhaço” é uma das palavras da língua portuguesa de que mais gosto. É uma palavra que representa na sua própria musicalidade algo que se quebra. O fricativo “ti” seguido do aberto “lha” remete ao som do copo que cai e parte de um ínfimo nada silencioso e imperceptível “es” ao golpe grave seguido dos suaves cacos esmiuçados que se esparramam no chão em pequenos rumores que batem, saltam e voltam até o novo silêncio, “ço", que se esvai.

Caminho sem volta o do que se quebra, em estilhaços.

Os cristais de açúcar não derretidos que restam no fundo do copo, depois do último gole, também são estilhaços, saturados, sem dissolução. Sem solução.

sábado, 6 de outubro de 2012

Dos quereres...


Querer

Uma sombra compartilhada, livros, cds e vinhos

Risadas, planos, viagens... o chalé!

A viagem no balão, o curso de mergulho, as meditações e trocas da melhor energia que há em mim...

Uma vitrola retrô com discos  anos 60, 70, 80 e 90 , um deslisar suave de sua mão sobre mim.

Que me queira!

Expressar a saudade e a vontade de estar junto

Conhecer a minha alma estando com você uma vez que somos sempre espelho do outro

Morar nas montanhas e perto do mar...

Ser amante incessante da vida e do que ela oferece como um brinde, todos os dias...

Uma chance de mostrar que pode ser...

Discussões filosóficas, cinema e de vez em quando um botequim...

Tocar violoncelo

Fazer yoga no mundo e nadar pelado

A bicicleta com cestinha e pão de gergelim...

Silêncio

O sorvete quente

Sintonia fina de quereres, de dizeres...

Cabelo solto no fusca azul e o sorriso

Ah, o sorriso...

E "se acaso me quiseres," não, não sou dessas mulheres que só dizem sim.

:) Dos dias em que um bom abraço reconforta toda gama de querer!