sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

De uma outra experiência

Uma das coisas que melhor sei fazer é encaixotar livros. Mais de 20 mudanças em 32 anos pode ser um exercício bastante eficiente para vivenciar de maneira efetiva o ditado que diz que a prática leva à perfeição.
É como um quebra-cabeça, um pouco mais criativo do que aqueles comprados. Não há imagem nem cores que possam guiar a escolha das peças. As caixas, sempre as menores, visto que se transformarão em pequenos e quadrados troncos de madeira, são completadas com os livros não sem estes serem postos e repostos juntos com outros de mesma altura e largura. A maneira de se organizar, aqui, foge da catalogação que separa literatura de crítica literária; autores brasileiros de estrangeiros; estudo de mero deleite; e ainda obras belas e vistosas daquelas que se escondem dentre outras por se corporificarem em uma edição barata e chinfrim.
Livros, agora, são só papel. E ainda conseguem ensinar e induzir ao raciocínio, ao pensamento, à abertura para novas percepções da vida, do mundo, do "eu". A espessura de um volume, aqui, só será relevante se impossibilitar que a caixa se feche ou se permitir que sobre muito espaço para esse fim. A noção de limite, seja para respeitá-lo ou rompê-lo, mais uma vez, é o questionamento maior que um livro (em estado de quase árvore!), mesmo fechado, pode suscitar. A posição das diversas edições é também fundamental. Alguns se acomodam bem deitados; outros, em pé. Já houve vezes em que precisaram ir inclinados e mesmo na diagonal. Espaços vazios são raros; quando os há, são preenchidos com folhas de jornal, velhas e amassadas, mas ainda assim, papel, para que garantam a firmeza do transporte.
Já tentei me desfazer de vários deles, várias vezes. Permanecem a maior parte do tempo estáticos na estante, como tijolos em uma parede, sem nem ao menos a função de separar cômodos, de construir abrigos ou ainda de levantar muros.
No entanto, abrir um exemplar qualquer, já esquecido pela existência de outros que lhe foram tomando a frente, e encontrar uma página marcada em outro tempo e às vezes em outro espaço, traz-me à memória que aquele pequeno trecho, lido de relance em um trabalho supostamente mecânico, é também peça essencial desse quebra-cabeça que sou. Irregular e repleto de lacunas como frestas entre os galhos que se entrelaçam bem acima do caule e sempre rumo ao sol, por onde, talvez, possa entrar alguma luz.

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