quarta-feira, 29 de setembro de 2010

De um livro

"Tragicamente, o homem está perdendo o diálogo com os demais e o reconhecimento do mundo que o rodeia, quando é nele que se dá o encontro, a possibilidade do amor, os gestos supremos da vida. As palavras à mesa, inclusive as discussões ou brigas, parecem substituídas pela visão hipnótica. A televisão nos tantaliza, como que nos enfeitiça. Esse efeito entre mágico e maléfico resulta, penso, no excesso de luz que nos toma com sua intensidade. Inevitável lembrar que ela produz o mesmo efeito nos insetos, e até nos grandes animais. Então não apenas é difícil afastar-se dela, como também perdemos a capacidade de olhar e ver o cotidiano. Uma rua com árvores enormes, os olhos cândidos no rosto de uma mulher velha, as nuvens de um entardecer. A floração da acácia em pleno inverno não chama a atenção de quem não chega sequer a apreciar os jacarandás de Buenos Aires. Muitas vezes me espantei ao perceber como enxergamos melhor as paisagens no cinema do que na realidade."



A alma ganha contornos de veludo quando temos materializada no papel uma ideia que existe em nós só como abstração.

Comprei dois livros essa semana. Há tempos não tenho essa reação por algum contemporâneo. É como se fosse um ritual. De busca e encontro. Creio que a última vez foi há dois anos, quando descobri Alberto Manguel e fiz o pedido do volume que chegou em plástico-bolha, novo e limpo, em folhas ainda inéditas a outros olhos. Estes, agora dois, chegaram envoltos no mesmo plástico-bolha e encantados pela mesma aura de conquista que exige tempo e paciência.

A identificação, no entanto, foi tão imediata que não consegui terminar de ler nem o primeiro texto do primeiro livro antes de receber esse impulso involuntário de manifestar tal comoção.

O impulso é de assoprar as bolhas. Assoprar as bolhas de plástico até que elas cresçam em envoltórios finos de esperança, em contornos furta-cor que circulam ao sol e que voam ao longe, até que encostem na pele de alguém e se rompam surpreendendo o indivíduo e esparramando - como bolhas de sabão que espargem gotículas de água fria - aconchego e afeto no coração.

Acolhimento da alma, aquela, agora coberta em tecido nobre, vermelho, de amor e sensibilidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário