"Sim, os outonos precisavam dela, pois conseguira abandonar até mesmo o próprio nome. Desde aquele dia em que contemplou o rio, pedindo a seu pai que a levasse com ele para onde estivesse, achou que poderia fazer milagres. Passou a ler sobre a vida dos santos, em especial daqueles que receberam a palma do martírio ou se deram penitências espantosas. Pensou até em se tornar mendiga, para merecer alguma santidade, mas não sabia pedir nada além daquilo que realmente queria. Subiu as escadarias da catedral de joelhos e não encontrou nenhuma graça senão a de ver- mais tarde- o vermelho das cicatrizes. Renunciou ao seu nome de família, passou a alimentar os cães das ruas e a dormir sob as marquises. Até que em uma tarde descobriu que nos meses de abril e maio era capaz de escrever sobre coisas que nunca vira. Foi quando entendeu, em vertigem, por que não se lançara ao rio, na manhã sombria daquele dia."
Os dons do dia (O livro de Zenóbia, Maria Esther Maciel)
Os dons do dia (O livro de Zenóbia, Maria Esther Maciel)
Sim, você me convenceu. Te amo, irmã!
ResponderExcluir"Aprendo com abelhas mais do que com aeroplanos
É um olhar para baixo que eu nasci tendo.
È um olhar para o ser menor, para o
insignificante que eu criei tendo.
O ser que na sociedade é chutado como uma
barata - cresce de importância para o meu
olho.
Ainda não entendi por que herdei esse olhar
para baixo.
Sempre imagino que venha de ancestralidades
machucadas.
Fui criado no mato e aprendi a gostar das
coisinhas do chão -
antes que das coisas celestiais.
Pessoas parecidas de abandono me comovem:
tanto quanto as soberbas coisas ínfimas."
Manoel de Barros, em "Retrato do Artista quando Coisa"
:)
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