
Poesia
Gastei uma hora pensando em um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
Gastei uma hora pensando em um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
Carlos Drummond de Andrade
Em seu famoso texto intitulado “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, Walter Benjamin apresenta o cinema como a arte mais “perfectível” que existe. Diz isso pelo processo cinematográfico de construção da obra, que constitui em montagens de imagens gravadas e regravadas. O caráter “perfectível” aparece pela possibilidade de montar e desmontar, ver e rever, fazer e refazer as cenas em um trabalho incessante em busca da perfeição, diferentemente do teatro, por exemplo, que exige uma única performance e essa só tem uma chance de se fazer.
Peter Greenaway, diretor inglês que explora a arte em perspectivas bastante sofisticadas, em “Cinema: 105 anos de texto ilustrado”, critica a maneira como o cinema se construiu e como se popularizou privilegiando o enredo, quando este núcleo se prende mais à narrativa do que ao filme, já que possui outros recursos para se constituir. E a arte, como alta expressão do humano e seus adjetivos, deve se apropriar dos instrumentos que possui para atingir de forma mais efetiva o próprio ser humano que a ela tem acesso.
A Árvore da Vida, de Terrence Malick, é um filme que apresenta uma consciência muito ampla do diretor sobre o que é a perfectibilidade possível no cinema e também sobre o que é o instrumento que o cinema possui e que o diverge da escrita, da narrativa, do romance. A Árvore da Vida é um filme poético. O poema escrito se utiliza da palavra como instrumento para construir poesia, algo que não se pode definir sem metáforas que exemplifiquem sensações experimentadas pelo homem e que possam ser transferidas. A poesia de Malick é construída a partir da utilização da imagem recheada de metáforas como instrumento. É um filme maduro, que exige conhecimento prévio do espectador. Da vida e de si, a preencher as lacunas evidentes no enredo inexistente, posto que é comum a todas as vidas humanas, de uma maneira ou de outra.
Apesar de a utilização de recursos distintos dos que são habituais restringir um pouco a compreensão do filme, este não poderia apresentar tamanha profundidade sem a fuga do lugar comum a que estamos acostumados. Como se apresenta a figura de Deus sem apresentar o parco conhecimento que pudemos obter sobre o mundo em alguns poucos milênios de civilização humana? Como se apresenta a inquietação do homem perante tudo o que este desconhece sem mostrar-lhe o que sabe que existe e, ainda assim, não domina? Como se apresenta a influência do Cristianismo e suas tentativas de doutrinar sem apresentar a repressão e as falhas humanas resultantes disso? Como se representa a dor sem associá-la a um vulcão em chamas ou às ondas que se revolvem no fundo do oceano? Como se representa o amor sem o silêncio?
As metáforas que recheiam o filme são todas construídas a partir da maneira como culturalmente fomos criados. Apesar das diferenças de geração que são mostradas e das divergências que a educação de hoje apresenta em relação àquela do filme, o resultado é perfeitamente perceptível: um homem profissionalmente bem sucedido com uma vida vazia, ausente do perdão e do afeto, o qual foi incapaz de perceber por se ligar justamente às palavras e não aos atos da figura paterna, forte e autoritária. As atitudes de Jack apresentam um garoto sempre em conflito entre o “certo” e o “errado” e o desafio de seguir as ordens do pai e vivenciar o carinho da mãe e dos irmãos.
O mágico do filme é que as imagens conseguem ser produzidas sem a imposição de julgamentos, a não ser os do próprio espectador, que reconhece e identifica fatos e situações certamente também vivenciados por si. O foco narrativo sem foco, sempre tremendo, cambaleante, e ausente de um ponto fixo de observação, transfere para o espectador o incômodo do personagem que rememora sua infância e o momento de maior dor pela qual a família passou e como isso repercutiu na sua vida futura. A postura representada pelos papeis familiares contextualizam uma época e toda uma geração sem explicar os motivos que a levaram a determinados resultados, mas oferecendo um retorno físico e concreto à experiência de beleza que o cotidiano nos proporciona e para a qual já estamos cegos.
E, convenhamos: ninguém precisa saber o motivo de uma morte para saber a dor que ela pode causar, em especial quando esta foge à regra natural da árvore genealógica à qual estamos ligados pelo sangue e, por que não dizer?, pelo amor.
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